sábado, 23 de fevereiro de 2008

JOAQUIM PINTO DE ANDRADE (1926 - 2008)

Em 5-1-63 completava eu 177 dias de prisão preventiva e sem culpa formada.
Faltavam três dias para o máximo permitido por lei.
Fui posto em liberdade, mas… preso imediatamente a seguir à porta da cadeia do Aljube e transferido para Caxias!


No dia 8-1-63, conduzido à sede da P.I.D.E., fui ali informado de que fora posto em liberdade três dias antes e preso de novo à porta da cadeia… porque novas actividades subversivas haviam sido desenvolvidas dentro da cadeia ou à porta da cadeia. […]

Não fui submetido a nenhum interrogatório durante esta 4.ª prisão, nem me foi nunca fornecida qualquer explicação para ela.

E assim se foi arrastando a minha 4.ª detenção, que, ultrapassando o que a lei permite, se prolongou por mais sete meses.
E todavia, ao completarem-se 180 dias, eu tinha uma carta de protesto ao director da P.I.D.E. e cópias da mesma aos ministros do Interior e da Justiça.
Nenhuma resposta obtive.

O meu advogado, dr. António Alçada Baptista, apresentou então um requerimento de «Habeas Corpus».

A 14-8-63 […] fui posto em liberdade (?), mas com residência fixa na vila de Ponte de Sor, distrito de Portalegre.



Fiquei sob custódia da GNR.
Dois guardas à paisana e armados vigiavam dia e noite a porta da pensão A Ponte em que me encontrava alojado e seguiam-me a dez metros de distância em todas as deslocações pela vila, cujos limites estava proibido de ultrapassar.
[…]
Correspondência censurada e telefone vigiado.
[…]
Proibição de usar qualquer meio de locomoção que não fossem as próprias pernas, nem mesmo uma bicicleta.
Proibição de pregar e de ouvir confissões, sob pena de prisão.

Em 24 de Janeiro de 1964 sou preso pela 5.ª vez, quando me encontrava a almoçar na pensão "A Ponte"em que estava obrigado a residir em Ponte de Sor, distrito de Portalegre.

Conduzido para Lisboa, sou encarcerado de novo nas masmorras do Aljube.
Ali permaneço durante dez dias, sem qualquer interrogatório, sem qualquer acusação formal.
Entretanto sou chamado a direcção da P.I.D.E., e o inspector Sachetti obriga-me a escrever pelo próprio punho e assinar uma declaração comprometendo-me a aceitar nova residência fixa e não abandonar o local de residência em que fosse fixada «sob pena de suspensão de ordens sacras e impossibilidade de celebrar missa, conforme o acordo firmado entre o Ministério do Ultramar e a Nunciatura Apostólica de Lisboa».

Recuso-me a escrever a declaração, cujos termos considerava inaceitáveis.
O inspector Sachetti responde-me se não escrevo tal declaração, terei de ficar definitivamente na prisão.
Mantenho a minha recusa e ponho mesmo em dúvida a existência de tal acordo.
[...]
Insisto finalmente em falar com o Núncio Apostólico ou com algum secretário da Nunciatura.
Quando o secretário da Nunciatura chega à P.I.D.E., o inspector Sachetti roga-me que não fale mais na questão do pretenso acordo entre a Nunciatura e o Ministério do Ultramar.
Insisto em levantar a questão e exponho o caso ao secretário da Nunciatura, monsenhor Rotuno.
Este afirma-me, na presença do inspector da P.I.D.E., que tal acordo nunca existiu!

Em 3 de Fevereiro de 1964 sou posto em liberdade (?), mas conduzido a Vilar do Paraíso (concelho de Vila Nova de Gaia), ficando com residência fixa no Seminário da Boa Nova, dos Padres das Missões Ultramarinas.

Movimentos limitados ao concelho de Gaia.
Telefone vigiado, correspondência censurada e visitas controladas.
Agentes da P.I.D.E. e outros colaboradores vigiando dia e noite as portas do seminário e seguindo-me os passos aonde quer que eu fosse.
Nestas condições permaneço em Vilar do Paraíso durante três anos (1964-1967).

Em consequência de uma intervenção pessoal do Papa Paulo VI junto do Presidente da República Portuguesa, aquando da sua peregrinação a Fátima, sou finalmente autorizado a circular livremente por todo o País, sendo-me todavia vedado o regresso à minha terra ou a saída para o estrangeiro.



Joaquim da Rocha Pinto de Andrade

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7 Comments:

At 23 de fevereiro de 2008 às 21:33, Anonymous Anónimo said...

Morreu um grande HOMEM.

O Padre Joaquim Pinto de Andrade, um lutadorr pela Liberdade de todos os Homens.
Em nome da velha amizade curvo-me sobre a sua memória e apresento à mulher e filhos os meus respeitos.


Em nome da nossa velha amizade permite-me que o trate assim, como o conheci no longo anos de 60 do século passado.
Fui um dos poucos que privei com o Pe.Joaquim Pinto de Andrade aquando da sua prisão em Ponte de Sôr, ainda recordo as nossas longas conversas.

Felizmente podemos assistir à chegada da liberdade aos nossos dois países, apesar de muitas lutas e derrotas conseguimos a libertação dos nossos povos.

A noite foi muito longa, mas um dia novo nasceu.

 
At 24 de fevereiro de 2008 às 12:05, Anonymous Anónimo said...

Joaquim Pinto de Andrade, que tinha 81 anos, foi sacerdote católico: estudou no seminário com D. Alexandre do Nascimento, que viria a ser cardeal de Luanda.
Abandonou o sacerdócio, mas não a fé católica. E tornou-se presidente honorário do MPLA, então dirigido pelo seu irmão Mário (1928-1990), outra figura marcante da elite política angolana.

Pinto de Andrade chegou a ser preso 12 vezes pela política política salazarista, facto que contribuiu para a sua fama nos meios nacionalistas.

 
At 24 de fevereiro de 2008 às 12:07, Anonymous Anónimo said...

JOAQUIM PINTO DE ANDRADE

Ontem, ao fim do dia, eu estava a escrever esta crónica. Era sobre Aznavour que cantava em Lisboa. Eu escrevia sobre um rapaz baptizado Shahnourh, filho de arménios, que virou Charles e símbolo de França, porque nasceu num porto, num cruzamento do mundo, em Paris. E dali parti para a canção de há quarenta anos, Le Métèque, que não era dele, era de Georges Moustaki. A canção do meteco, do grego metoikos, como os atenienses chamavam aos que não eram da cidade, que viviam nela mas tinham vindo de longe. Meteco como Moustaki, filho de Alexandria, e que desaguou em França para a inundar de belas canções. Meteco como Aznavour.

Esta crónica deveria ir por aí fora, com Yves Montand (de facto, Ivo Livi), com Serge Reggiani (nascido na italiana Reggio Emília), Brel (nascido na impronunciável belga Schaerbeek). Era uma crónica sobre os grandes da canção francesa quando ela foi grande. Os grandes, afinal, metecos. E, afinal, ensino isso a Atenas, os melhores dos cidadãos, porque trazem à cidade o mundo.

Ontem, ao fim do dia, eu estava a escrever essa crónica. Telefonaram-me: "Morreu o Joaquim." Morreu Joaquim Pinto de Andrade. No meio da crónica. Da sua crónica. Vão dizer: ele era angolano. E era-o. Ninguém conheci, dos pais da nacionalidade angolana, que pudesse dizer o mesmo que ele: não feri o meu país. Ele foi a coragem serena que lhe valeu prisões durante a Angola colonial, ele foi a fraternidade angolana quando o país se dilacerou em guerras civis, ele foi a honestidade quando Angola se ofuscou de falsa riqueza. Ele foi o angolano perfeito em tempos terríveis. E eu sei porquê: ele era um meteco. Um cidadão do mundo.

Eu era um adolescente e o Joaquim Pinto de Andrade era um padre exilado, colocado sob vigilância em Vila Nova de Gaia. No Verão, o pobre diabo da PIDE, de fato escuro, seguia-nos até aos areais da praia e tentava ouvir-nos as conversas. O Joaquim falava de Camilo ou de Ramalho, dos "portugueses de língua tersa", que ele aprendera quando era menino em Ambaca. O português PIDE perceberia a admiração daquele "terrorista" (então, presidente de honra do MPLA) por escritores portugueses? O Joaquim falava de Roma, onde estudara, e encarreirava-me para escritores de liberdade: Ignazio Silone, Italo Calvino… Falava-me de Paris, onde estivera no primeiro congresso de escritores e artistas africanos (com o seu irmão Mário) e metia, no meio da conversa, a necessidade de ouvir Brel.

Há quase 40 anos, em Setembro de 1969, eu saí de Portugal com uma carta de Joaquim Pinto de Andrade no bolso. Isso, escondido. Nos olhos eu levava a vontade de ver que o homem a quem mais devo me emprestou.

Ferreira Fernandes

 
At 10 de fevereiro de 2009 às 14:14, Anonymous Anónimo said...

Joaquim Pinto de Andrade foi um dos cabouqueiros da Nação Angolana. Embora ideologicamente nada me aproximasse do padre Joaquim, que tive a honra de conhecer junto ao quintal dos Caximbinhas, na Praia do Bispo em Luanda, tive sempre por ele uma grande admiração, pois foi um homem que colocou os interesses de uma Angola em Liberdade, acima dos seus próprios interesses. Íntegro e honesto, qualidades que rareiam nos dias de hoje, o padre Joaquim Pinto de Andrade, pesem embora algumas situações que na altura travaram o processo revolucionário rumo à Independência Nacional, mereceu sempre da parte dos que noutra trincheira se batiam pelos mesmos objectivos, o reconhecimento devido aos Homens bons. Uma saudação de sincera homenagem! Henrique Mota

 
At 5 de abril de 2009 às 22:40, Anonymous gisela said...

Recordo que na minha infancia já tinha a preocupação de abrir a porta da casa do meu avô para a visita regular do Padre JPdeA, fazia-o radiante de alegria por já perceber precocemente que eram visitas a favor de uma boa causa. A si digna companheira da nobre caminhada aceite uma vênia de solidariedade e pezar DEUS continuará a iluminar nossos humildes caminhos saudações da Gisela Angela de Macedo B.Bessa

 
At 13 de maio de 2014 às 04:09, Anonymous Anónimo said...

Os meus pais eram os gerentes da Pensao da Ponte aonde Padre Andrade esteve quando em Ponte de Sor. Era tratado como familia e ele era uma meiguice para mim e meus irmaos. Tinhamos muitas fotos de familia com ele mas infelizmente essas fotos misteriosamente desapareceram …Eu estava a estudar interna num colegio e lembro me da tristeza e a revolta que senti quando a minha mae me disse que tinham levado o nosso Padre Andrade…o meu nome era Ana Maria Duarte e minha mae Sara Faria Duarte.

 
At 8 de fevereiro de 2017 às 04:48, Anonymous Anónimo said...

Foi meu professor de português quando esteve em Ponte de Sôr eu tinha 10 OU 12 anos.Quando vinha da escola almoçar por volta do meio dia presenciei A PRISÃO DELE no PORTÃO DA GARAGEM DA PENSÃO DA PONTE
João Carlos Duarte

 

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